O
ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, criticou, nesta
segunda-feira (25/3), o inchaço na estrutura do Judiciário durante
seminário que discutiu uma reforma no Poder. O evento ocorreu no
auditório do jornal
Folha de S.Paulo, na capital
paulista. “Será que precisamos de uma Justiça eleitoral desse tamanho? E
a Justiça do Trabalho?”, questionou. É necessário, segundo ele,
incentivar soluções para os conflitos fora dos tribunais. O Judiciário
brasileiro tem 91 cortes, mais de 300 mil servidores e aproximadamente
16 mil juízes.
Também participaram do debate a cientista política
da Universidade de São Paulo Maria Tereza Sadek; o corregedor-geral da
Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini; o ex-secretário
nacional da Reforma do Judiciário, Sérgio Renault; e o jornalista da
Folha de S. Paulo Frederico Vasconcelos.
Para
Nalini, a lógica de gestão do Judiciário é falha e gera conflitos de
competências. “Deveríamos fazer com que administradores profissionais
cuidassem da parte operacional”, sugeriu. Segundo ele, o problema não
está na quantidade de juízes ou de tribunais, mas no excesso de
burocracia. “Pode ser feita uma nova organização do sistema, outra
divisão que atenda às especificidades de cada região”, sugere Sérgio
Renault, que é presidente do Instituto Innovare.
O
Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional 45/2004
juntamente com o Conselho Nacional do Ministério Público, é apontado
como o principal avanço no planejamento de uma estratégia para o setor.
“A grande marca da reforma do Judiciário é a criação do CNJ, pois é um
instrumento de autotransformação”, elogiou Gilmar Mendes, que o presidiu
entre 2008 e 2010. A ideia do órgão externo de controle do Judiciário,
que só foi implantada em 2006, é discutida desde a Assembleia
Constituinte de 1988.
Apesar do progresso no
gerenciamento, o Conselho Nacional de Justiça ainda é incipiente na
função punitiva, segundo os especialistas. Nos últimos cinco anos,
apenas 40 juízes foram punidos pelo órgão. Desse total, 29 receberam a
sanção máxima, que é a aposentadoria compulsória. “O número de processos
instalados no CNJ é relevante, mas a quantidade de punições é pequena”,
avalia Sérgio Renault.
Mas o papel repressivo, na
avaliação de Gilmar Mendes, não é o mais importante. Comentando recente
polêmica inaugurada pelo atual presidente do CNJ e do STF, ministro
Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes afirmou que desconhece
conluios entre juízes e advogados,
como apontado na última terça-feira (19/3) pelo chefe do Judiciário.
“Não identifiquei relações aéticas entre magistrados e advogados no
período em que presidi o Supremo”, declarou.
Entre os
principais trabalhos feitos pelo CNJ, foram destacados os mutirões
carcerários; a medida que proíbe o nepotismo nos tribunais brasileiros —
a Resolução 7/2005 —; e o Programa Começar de novo, de ressocialização
de condenados. Para a professora Maria Tereza Sadek, no entanto, a
estruturação do Conselho ainda está frágil. “O CNJ tem baixíssimo grau
de institucionalização e ainda depende muito da sua Presidência”.
Mais desafios
Outra medida importantes trazida pela Emenda 45/2004 lembrada
pelos palestrantes foi a súmula vinculante, mecanismo que obriga juízes
de todos os tribunais a seguirem o entendimento adotado pelo STF. A
repercussão geral, que permite aos ministros do Supremo selecionar os
recursos extraordinários segundo critérios de relevância, também foi
elogiada, assim como a limitação dos recursos repetitivos no Superior
Tribunal de Justiça.
As súmulas vinculantes, de acordo
com os debatedores, ajudaram na criação de mais segurança jurídica e não
restringiram a liberdade dos juízes. Já a limitação dos recursos serviu
para desafogar os tribunais. “Ainda há muitos processos que chegam ao
STF, mas o volume é bem menor. O grande problema agora não se encontra
nas cortes superiores, mas nas instâncias inferiores”, opina Sérgio
Renault.
A quantidade de processos, a burocracia e a
morosidade do Judiciário prejudicam os cidadãos e contribuem para
enfraquecer a iniciativa privada, criticaram os debatedores. “Há no
Brasil um nível crescente de risco regulatório, envolvendo a atuação do
fisco, das agências reguladoras e também da Justiça”, disse o
pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio
Vargas Armando Castelar Pinheiro. Para ele, autor de estudos que
relacionam a economia e o sistema judiciário, esses entraves afastam
investidores e atrasam o desenvolvimento.
Com a demanda
crescente, alavancada pelo aumento populacional e de acesso à
informação, o estímulo às instâncias de mediação é considerado uma
promessa de melhora. “A possibilidade de se criar meios extrajudiciais
de solução de conflitos é importante”, ressalta Maria Tereza Sadek. Hoje
há no país quase 100 milhões de processos em tramitação — uma ação para
cada dois habitantes. “É preciso diminuir a cultura de judicialização.
Atualmente, os Juizados Especiais, por exemplo, estão congestionados e
não atendem mais às necessidades para as quais foram criados”, comentou
Renault.
A resolução de conflitos antes de sua
judicialização é uma das metas estabelecidas em outubro de 2012 no
primeiro encontro da Comissão de Altos Estudos da Reforma do Judiciário,
vinculada ao Ministério da Justiça, para o sistema nacional. As outras
são o fortalecimento da Defensoria Pública, o tratamento adequado às
demandas de massa, o estudo para a redução de litígios envolvendo o
poder público, limites para julgamentos de repercussão geral e
valorização dos tribunais de segundo grau.
A
pesquisadora Maria Tereza Sadek ainda lembrou que, apesar das mudanças,
os cidadãos mantêm má impressão sobre o setor. “Para quem é operador do
Direito, não resta dúvida de que muitos problemas foram melhorados. Mas
para a população, a percepção da Justiça é predominantemente negativa”,
comenta a pesquisadora, que também faz parte da Comissão de Altos
Estudos da Reforma do Judiciário.
Segundo ela, a forte presença de
questões jurídicas na agenda pública, sobretudo quando expostas em
jornais e na televisão, contribui para que as pessoas comuns tenham mais
familiaridade com o assunto. O recente levantamento de dados sobre o
setor, desenvolvido pelo CNJ, e a transparência de informações também
foram apontados como ferramentas essenciais para aproximar o cidadão e o
Judiciário.
Histórico da reforma
As propostas de reestruturação do Judiciário caminharam em rimo
lento no Legislativo, no Executivo e nos próprios tribunais. Um passo
importante foi a criação da Secretaria Nacional de Reforma do
Judiciário, ligada ao Ministério da Justiça, em abril de 2003. No
Congresso Nacional, a reforma do setor foi aprovada apenas em novembro
de 2004, após quase 13 anos de tramitação.
A Emenda
Constitucional 45 foi responsável por outras mudanças significativas,
como a submissão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional, a extinção
dos Tribunais de Alçada, a possibilidade de federalização de crimes
contra os direitos humanos, além de ajustes na Justiça Militar e do
Trabalho. A matéria teve origem na Câmara dos Deputados com a Proposta
de Emenda à Constituição 96/1992, do deputado Hélio Bicudo. Quando foi
para o Senado, passou a ser chamada de PEC 29/2000, até ser aprovada a
Emenda, em 2004.
A partir de 2008, a Secretaria de Reforma do
Judiciário passou a articular trabalhos com o Programa Nacional de
Segurança de Cidadania. Entre as ações propostas estão a implementação
da Lei Maria da Penha (11.340/2006), o fortalecimento da Justiça
comunitária, assistência jurídica integral aos presos e familiares e
também capacitação em Direitos Humanos e Mediação para profissionais de
Direito.